ADÈLE NAUDÉ SANTOS

03/04/2022 - -

Arquiteta e urbanista, com carreira combinando prática profissional, pesquisa e ensino. Ganhadora de concursos internacionais de design, com publicações de trabalhos em revistas em todo o mundo e trabalho em culturas diversas como o Japão, a África e os Estados Unidos. Sua carreira acadêmica inclui cátedra dentro dos programas de pós-graduação de Harvard, Rice University e University of Pennsylvania, onde atuou como Presidente do Departamento de Arquitetura e da University of California, onde foi decana fundadora da Faculdade de Arquitetura da UCSD. Foi reitora da Escola de Arquitetura do MIT, de 2004-2013; atualmente é professora de Arquitetura e Planejamento na mesma universidade.

Eu acho que o MIT é um lugar especial porque, desde o início, ele teve uma agenda social forte, com intuito de construir um mundo melhor. São a mão e a mente, juntas, moldando o mundo. Sempre tivemos isso como base. Nós construímos os fundamentos da Escola a partir disso, e a agenda social sempre fez parte dela; essa máxima sempre fez muito sentido para mim.

Os tipos de estudantes que tendem a vir ao MIT, em comparação a outras escolas de Design, como Harvard, vêm com uma espécie de consciência social, querendo causar um impacto positivo no mundo. Portanto, você participa na formação de pessoas que querem fazer a diferença no mundo, de várias maneiras.

Você pode, por exemplo, ter um estúdio de habitação de baixo custo que lida com coisas que não são extremamente atraentes enquanto assunto arquitetônico, mas os estudantes estão interessados e ingressam nele, porque realmente têm esse impulso como pano de fundo. Acho que é isso que eu gostaria de dizer para começar.

É um obstáculo, é claro. Em primeiro lugar, esse aprendizado digital não foi fácil, e a maioria dos professores e alunos nunca chegaram a se adaptar a ele, embora o tenham acrescentado a seu vocabulário comum. E, certamente, no que se refere a nossa disciplina, a arquitetura não é uma coisa fácil de se fazer on-line. Tivemos de analisar a forma como ensinamos. Acho que há algumas disciplinas, como história, por exemplo, ou alguns assuntos relacionados à tectônica, que são mais adaptáveis ao formato on-line.

Eu, por exemplo, tentei dar uma aula sobre protótipos de habitação, fazendo uma análise de exemplos ao redor de todo o mundo. Foi extremamente difícil de fazer. Mas uma coisa que fiz, a qual achei bastante interessante, foi selecionar vários arquitetos que representavam diferentes pontos de vista sobre a temática, e fazer com que os alunos entendessem seu trabalho e depois participassem de uma discussão diretamente com eles on-line.

Infelizmente, as turmas eram muito pequenas, porque a maioria das pessoas havia desistido durante o ano com medo de perder a experiência presencial. Há outras maneiras de lecionar nesse modelo e que podem fazer muito sentido, mas é algo que você tem de praticar e se adaptar. Acho que foi Mark Jarzombek, professor de História e Teoria da Arquitetura no MIT, que teve cerca de 200 alunos em sua turma. 

Eu acho que a escala é difícil de administrar. Ela está perfeitamente sintonizada com certos assuntos.

Acho que as pessoas encontraram um grande alívio por não ter de estar ali das nove às cinco todos os dias. Particularmente em um contexto como o do MIT, no qual os preços das moradias são muito altos e as pessoas preferem morar mais longe, onde são capazes de pagar o aluguel. Particularmente, por parte dos funcionários – aquelas pessoas que são essenciais para manter o empreendimento em andamento. Para eles, ser capaz de trabalhar a partir de casa foi incrivelmente útil. Trabalhar presencialmente três vezes na semana é o melhor contexto que eles podem imaginar, porque, particularmente naquele estágio de em que se tem filhos e assim por diante. Além disso, pense no tempo que os professores têm de se dedicar ao ensino. Isso pode ser administrado nos dias em que lecionam e, nos dias em que não estão dando aula, podem trabalhar, pesquisar, fazer leituras e tudo o mais. Há um aspecto realmente otimista nisso.


É um fato conhecido que eu sempre morei e trabalhei no mesmo lugar. Isso ocorreu, em parte, porque eu queria ser arquiteta em tempo integral e educadora também em tempo integral. De qualquer forma, é possível fazer isso – morar e trabalhar no mesmo local. Você pode tirar o tempo gasto no transporte e reorganizar seu dia entre o que você faz à noite e o que você faz de dia.

Mas, para a maioria dos lugares do mundo, o zoneamento torna isso problemático; este hibridismo não é comum ao zoneamento regular. Na verdade, esse tipo de ideia de morar e trabalhar no mesmo local tem sido desafiada em todos os lugares. Ela entrou muito em minha vida na Califórnia, onde os artistas habitavam os velhos edifícios industriais, porque ninguém os queria. Isso, no entanto, não era permitido pela legislação local. Houve grandes discussões e, enfim, os artistas ganharam. Assim, morar e trabalhar no mesmo lugar foi realmente absorvido, mesmo que não permitido legalmente pelo zoneamento. Eventualmente, o zoneamento mudou. Parte disso se deveu a um ponto de vista das autoridades: como poderiam provar que as pessoas estavam realmente trabalhando onde simultaneamente viviam sem ir verificar?

Obviamente, o que provamos nesse período foi que viver e trabalhar no mesmo lugar pode ser realmente frutífero. Acho que isso, na verdade, abre todo tipo de possibilidade, porque não há quase lugar do mundo em que viver e trabalhar em um só lugar não seja algo benéfico. Mas, sinceramente, desde o início, sempre achei que isto iria ganhar maiores dimensões a partir do momento em que a Internet se tornasse funcional e disponível a todos. Por que seria importante o local onde você está? Acho que esta é uma coisa muito importante, que definitivamente é resultado deste período.

Vejo amigos meus, cujos escritórios, por exemplo, voltaram à normalidade, e agora têm apenas dois terços do pessoal que estaria lá antes em tempo integral. Acho que isso ocorreu em quase toda profissão, na verdade... Nenhum destes funcionários realmente precisava estar lá. Começa a fazer algum sentido que se possa ter espaço disponível de back-office, longe dos centros das cidades, o que o torna muito mais barato. Você não precisa estar no centro da cidade para muitas dessas funções. Daria para começar a pensar em hierarquias de trabalho e no que isso significa em termos das topologias que se constrói. Tudo sempre foi dependente da noção de centralidade, e isso não é mais importante. Acho que não podemos voltar a supor que todos vão ter um emprego das nove às cinco na cidade. Simplesmente não vão.

Eu não sei. É claro que, na maioria das vezes, estamos lidando com adaptações do que existe, mas novos lugares podem produzir diferentes cenários ao todo. Não precisamos sequer estar em cidades tão grandes. Muitas cidades têm vários centros. Isso nos leva a pensar que talvez possa haver mais fragmentação dessas funções centrais. Normalmente, há sempre uma prefeitura, um, talvez dois, anfiteatros, uma grande biblioteca... A ideia de microcentros, de que eles estão divididos hierarquicamente, faz muito sentido. Quanto mais pudermos relocalizar essas funções melhor. A maneira como pensamos sobre este aspecto da construção da cidade está mudando bastante.

Penso que temos de começar por algo mais básico: o sistema de crenças da governança nas sociedades. Ao longo dos anos, concluí que a habitação é tão importante que é a base para se ter uma vida produtiva. Não importa onde você esteja no mundo. Se você não tem acesso a um abrigo adequado, não pode estar higienicamente limpo porque não tem água, não pode estar seguro porque não há como trancar as portas... A moradia é completamente fundamental.

O direito à moradia, é claro, foi um movimento óbvio, graças ao foco internacional nisso. Havia conferências a cada quatro anos ou algo assim, eu fui a algumas delas em minha vida. Há muitas pessoas no mundo que acreditam no direito à moradia – ou no direito à cidade. A maioria das nações fingem que concordam com isto. Será que elas realmente colocarão em prática? Haverá dinheiro para isso? Existem estruturas organizacionais para isso?

Os Estados Unidos, é claro, são os vilões porque nunca acreditaram no direito à moradia. O último presidente que estava interessado em trazer alguma revolução lá foi Johnson. Mas aí entra o próximo grupo de políticos, e se livra daquilo. De qualquer forma, a questão é: isso tem a ver com o mundo público, tem a ver com a quantidade de dinheiro que se é designado para fazer isso.

Há, também, obviamente, a estigmatização das pessoas desabrigadas: um bom número delas pode ser de pessoas doentes, alguns podem dizer, “mas esse não é o ponto”. É sobre raça, religião e todas outras coisas que entram no meio, por isso nunca foi fácil. Neste momento, enfrentamos um cenário realmente patético. Para os arquitetos, fazer moradias acessíveis, em um país como este, é um processo muito complexo, porque você até pode conseguir cidades que vão conceder terrenos e há programas, mas nunca são grandes o suficiente. Então, tem toda uma série de regras que você tem de seguir, e muitas delas são totalmente limitantes e não necessariamente progressivas. É todo um processo incômodo, que duplica o tempo de absolutamente tudo. E não dá dinheiro para o arquiteto, você não pode cobrar honorários correspondentes.

Eu me envolvi com isso porque faz parte da história da minha família. Meu tio dirigia uma organização sem fins lucrativos que ajudava os sem-teto da periferia da Cidade do Cabo, e meu pai produzia moradias para eles sem custos. Sempre tive isso em meu sangue. A verdade é que não se pode ganhar a vida com isso de uma maneira decente. Eu ganhei uma competição em Los Angeles e levei oito anos para construir a moradia.

O Museu de Arte Contemporânea de Los Angeles fez uma exposição chamada Blueprints for Modern Living [Plantas para a vida moderna] e, como parte disso, decidiram ter uma peça de exposição. Eles fizeram uma competição internacional e eu ganhei. (Eu fiquei chocada de ganhar, para ser sincera.) De certa forma, eu não queria, porque precisávamos produzir moradias em um local que eles tinham escolhido, nas colinas de Hollywood. Antes de tudo começar de verdade, todos os moradores locais gritavam e esperneavam porque não queriam morar ao lado de uma habitação de interesse social. “Não no meu quintal”, esse tipo de discurso.

O pior foi que muito poucos dos desenvolvedores que decidiram participar eram qualificados. Eu consegui alguns profissionais de Hollywood Hills, mas que realmente não tinham experiência de trabalho conjunto. Tivemos de encontrar outra equipe para construir. Bem, levou um tempão. Nós redesenhamos muitas vezes. A pessoa responsável por essa área específica da cidade lutou muito para que nossa proposta da competição fosse construída. Então, toda vez que surge outra possibilidade, penso: “Meu Deus, quero passar por tudo isso de novo?”.

Por outro lado, trabalhando em um lugar como o Japão, onde estou construindo dois grandes projetos, toda a ideia de habitação social era algo absolutamente usual. Não havia obstáculos sociais; as pessoas tinham esse propósito, era parte de seu dever cívico social. Os empreiteiros locais escolhidos trabalhavam bem. É preciso pessoas realmente qualificadas na administração para entender o valor de um bom projeto. É por isso que as pessoas simplesmente não querem fazer isso na maioria dos lugares.

Não é apenas uma coisa americana, é uma coisa latino-americana, sul-africana, é de todo lugar. Para construir moradia para os pobres, eles procuram os terrenos mais desinteressantes, com preços mais baratos, nas margens das cidades, longe de onde as pessoas trabalham. Mesmo com mudanças na política pública, geralmente não há coragem para modificar isso, é muito complicado.

Vou fazer uma oficina na Cidade do Cabo agora, onde eles decidiram construir moradias sociais na área interna da cidade, próximo ao centro e ao local onde os empregos estão. Mas eles não conseguiram concretizar a ideia, porque a cidade não vai fornecer o dinheiro. E ninguém lá descobriu as parcerias público-privadas, que é a maneira óbvia de fazer isso. Mesmo em Los Angeles, sempre foi o lucro – o privado –, e a não lucratividade – o público – trabalhando juntos. Eles descobriram isso rapidamente, encontraram maneiras de se construir moradias sociais devido a essas parcerias público-privadas iniciais.

Eu diria que muito menos no campo da arquitetura do que no de planejamento urbano. Penso que as mudanças ocorrerão em uma escala maior, a da cidade. E a arquitetura vai continuar sendo o que é. Penso que haverá mais discussão sobre o que é construído e o que não é, haverá mais responsabilidade. Acho que inevitavelmente veremos mais processos públicos, o que as pessoas odeiam, mas parece fazer sentido. Particularmente, é algo que engaja a comunidade.

Temos de voltar às causas profundas de muitas questões. Temos de descobrir como construir para as pessoas de menor poder aquisitivo, isso é certo. Vamos ter algumas mudanças políticas reais. Acho que essas pessoas deveriam ser integradas nas comunidades como um todo.

A ideia de guetos de pessoas pobres é absolutamente inaceitável. Vamos ter de descobrir o que pode ser compartilhado e como se pode unir pessoas de diferentes níveis econômicos. Poderia ser um sistema de espaço aberto. São sempre esses tipos de coisas que podem trazer comodidades para a cidade, mas compartilhando-as.

Está muito entrelaçado com a política, é claro, e com o contexto econômico em que está inserido. Estávamos tentando fazer isso em algum estúdio-piloto, para ver se conseguíamos preencher a lacuna. Vai ser bastante difícil. Isso requer um mar de mudanças, mas talvez agora seja um momento melhor para algumas delas. 

Sinceramente, o problema é que temos de ser livres-pensadores. Você não pode aceitar os problemas só porque você sabe que eles não são corretos. Sim, eu acho que a arquitetura é também um negócio. As pessoas querem ganhar dinheiro, e há muitos atalhos envolvidos nisso. É aí que provavelmente o tipo de arquiteto que também é professor pode ter um grande papel, porque estamos lidando com questões teóricas, bem como práticas. Assim, por meio de projetos, como as oficinas que eu faço – as quais se tornaram bastante públicas –, nós podemos sugerir maneiras diferentes de fazer as coisas. Não temos o dinheiro envolvido para isso, é um conjunto de princípios. As grandes empresas nunca vão fazer outra coisa que não seja ganhar dinheiro, é o que elas fazem.

Trata-se também dos clientes. Quem são os clientes? Há grandes organizações, honestamente, que se importam. Devemos ter muito respeito por elas. Em geral, esta é uma questão muito difícil, mas não há outra maneira senão enfrentá-la.