24/04/2009 - São Paulo -
AB'SABER, Aziz Nacib. São Paulo: Ensaios e Entreveros.
ARTIGAS, Rosa Camargo(org.). João Walter Toscano.
ARTIGAS, Rosa Camargo(org.). Paulo Mendes da Rocha.
GAUSA, Manuel. OPOP: Optimismo Operativo en Arquitectura.
KOOLHAAS, Rem; AMO. El Croquis 131/32 Rem Koolhaas/OMA[I].
KOOLHAAS, Rem; MAU, Bruce.S, M, L, XL.
MAU, Bruce. Massive Change.
NISHIZAWA, Ryue; SEJIMA, Kazuyo. El Croquis1 21/122 Sanaa.
SANTOS, Milton. A Urbanização Brasileira.
Vinicius Andrade - No meu caso, não houve ruptura. Como muitos arquitetos, comecei a trabalhar ainda enquanto estava na faculdade, no escritório do professor Eduardo de Almeida, da FAU-USP. Eu estava no terceiro ano da faculdade e ele era o meu orientador. Por conta disso, acabei fazendo a FAU em sete anos, mas não me arrependo. Se soubesse, teria ficado uns dez anos. Após terminar a faculdade, continuei trabalhando com o Eduardo, e, depois, com os arquitetos que trabalhavam com ele, os que criaram o MMBB. Um ano depois de me formar, passei um ano trabalhando em Barcelona e, quando voltei, montei o escritório com o Marcelo Morettin, colega da FAU. Então, a experiência profissional foi quase uma continuidade da faculdade.
Vinicius - Desde que comecei a estudar na FAU-USP, gostava de arquitetura, mas realmente passei a entendê-la frequentando as aulas, a biblioteca, o prédio. Aquele prédio da FAU-USP é uma iniciação à arquitetura moderna e à arquitetura como uma forma de vida. Então, eu tinha uma paixão muito grande pela faculdade e projetar era tudo o que queria fazer. Para mim, naquele momento, o lugar para projetar era o escritório próprio. Há nisso certo idealismo de que você quer fazer aquilo em que acredita, há uma vontade de construir a própria experiência. Tanto que o fizemos em condições muito precárias: eu tive um grupo, ainda na época da faculdade, que montou um escritório em cima de uma padaria e nele fazíamos projetos para amigos e familiares sem cobrar. Depois, abri o primeiro escritório com o Marcelo, mas faliu. Então, fui viajar e quando voltei reabrimos o escritório. Trabalhei no Eduardo de Almeida; no Felipe Crescenti; e em Barcelona, com o Emili Donato. Foi muito bom, mas sempre quis fazer o meu próprio caminho, por mais precário que fosse. Hoje, vejo que é necessário ter muita força de vontade, porque é difícil. Muita coisa dá errado. Não sabíamos administrar o negócio, mas acabamos aprendendo na prática.
Vinicius - São muitas as diferenças. Do ponto de vista do funcionamento interno do escritório, agora temos uma equipe na qual confiamos e que está aqui há anos. É uma equipe muito boa. No início, fazíamos absolutamente tudo sem qualquer apoio. Do ponto de vista da relação do escritório com o mundo exterior, temos alguma experiência e também uma história. No começo, muitas pessoas queriam encomendar um pagode, uma casa tirolesa, o que acarretava em muitos desencontros. Isso acabou. Hoje, quando alguém nos procura, já sabe o que podemos fazer ou, na linguagem dos clientes, qual é o nosso estilo. É natural que se acabe tendo uma linha. Não que eu ache que você tem que sair tentando encontrar sua linha de arquitetura. Depois de um histórico, você reconhece algumas características comuns do seu trabalho. Essas características são a cara do seu escritório.
Vinicius - Os dois pontos são indissociáveis. Temos uma maneira de pensar o projeto na qual não definimos nenhum material a priori. Começamos pelo conceito do projeto, o lugar, o como será feito. Depois, fazemos uma pesquisa de qual material responde satisfatoriamente ao conceito de projeto. Todos os materiais são escolhidos pelo desempenho, por isso temos que pesquisar, falar com o fornecedor, buscar na internet. Como preferimos usar componentes industrializados por várias razões, a cada projeto que fazemos tem um material novo no mercado. É algo inerente à área. Então, é preciso pesquisar sempre, senão você fica parado. Existe algo em arquitetura que é o arquiteto tentar usar sempre o mesmo repertório para construir uma linha identificável. Achamos que não. O que deve ser identificável são as formas de pensar, não o material. Cada projeto é uma pesquisa. Por exemplo: agora, estamos fazendo um projeto grande para a Petrobrás, o COMPERJ. Nós precisávamos de uma membrana de proteção, pois o prédio tem um lado voltado para as ruínas, para o poente, no Rio de Janeiro. Essa face precisava ter transparência visual, mas não sabíamos que material utilizar. Pesquisamos e descobrimos, na Arcelor da França, uma chapa ondulada e perfurada que também pode ser produzida aqui. Ela tem o desempenho e as características de que precisávamos.
Vinicius - Por um vício da profissão, sou obrigado a fazer uma distinção: existem os detalhes construtivos e os detalhes de acabamento. São dois pontos muito diferentes na hora de pensar e na hora de construir. Pela nossa própria formação, temos uma preocupação muito grande com o detalhe construtivo, que é aquele que está vinculado à estrutura do prédio, porque, na nossa arquitetura, muito se apresenta pela própria estrutura. Existe a seguinte frase feita lá na FAU: quando a estrutura está pronta, a arquitetura se apresenta por inteiro. Talvez, isso seja radical demais, mas acho que, no fundo, impregna o jeito de pensar. Para nós, o detalhe é muito importante quando desenhamos a construção do edifício. Por exemplo, a forma como a estrutura apoia e a leveza que ela deve ter são obtidas no detalhe. O Artigas dizia que é preciso fazer cantar os pontos de apoio. Quanto aos detalhes de acabamento, gostamos das soluções mais simples. Muitas vezes, fazemos uma casa de estrutura metálica bem arrojada e, no final, colocamos um rodapé. Não temos muita preocupação com o detalhe de acabamento. Hoje, parece ser bem comum fazerem uma construção regular, com parede de bloco de concreto, e colocar um rebaixo em gesso, com frestinha. Quer dizer, isso é um detalhamento de acabamento. O detalhamento construtivo, nesse caso, é nenhum. Para fazer oposição a isso, adotamos uma determinada postura ideológica. Tentamos fazer o detalhe de acabamento o mais despojado possível, pois o foco está no detalhe construtivo.
Vinicius - O detalhe construtivo do edifício é dado logo no princípio, que é o detalhamento de estrutura, de fechamento. O detalhe que nos interessa é como o fechamento pega na estrutura. Ao final, muitas vezes coincide que este também é o detalhe de acabamento. Não é um detalhe sobreposto ao projeto de estrutura pronto. Então, ele surge no começo, no ponto zero. No começo do desenho, já temos isso em mente.
Vinicius - O concurso é uma hecatombe, uma catarse aqui dentro. É um momento de crescimento do escritório e, ao mesmo tempo, um momento de concentração absoluta. Todo o escritório se envolve. Principalmente, é um momento de afinar o processo de projeto. Então, temos uma tendência meio socrática de projetar. Pode parecer uma pretensão, mas não é. Na verdade, é uma tentativa de projetar conforme alguns preceitos lógicos. O Artigas também dizia isso. No fundo, somos muito paulistas no nosso modo de pensar, mas não na plástica. Artigas dizia que, se você sabe elaborar a pergunta, está com metade do problema resolvido. Depois é só responder. O grande negócio é elaborar a pergunta. O concurso é a hora em que isso realmente pode ser posto em prática, porque, no cotidiano do escritório, não vem uma pergunta em geral, vem uma semirresposta, pois o cliente diz: “quero fazer a sede do meu escritório e quero assim”. No concurso, existe a oportunidade da pergunta. Então, é o momento de praticar essa pergunta. Qual é exatamente? Qual é o problema que tem que ser resolvido? Se você encontra a essência do problema, certamente vai dar uma boa resposta. Durante o concurso, é possível pensar a arquitetura de maneira mais pura. É o momento em que você pratica, desenvolve melhor e expõe sua maneira de interpretar, de responder. Quando você faz isso, é com muito prazer, dedicação, trabalhando até mais tarde fazendo um desenho, uma perspectiva. Porque isso é a ilustração do seu pensamento. Você é estimulado a mostrar seu pensamento.
Vinicius - Na época da faculdade, não. Nós passamos um período de dois anos trabalhando no escritório do Felipe Crescenti, e então fizemos os dois primeiros concursos. Trabalhávamos depois do expediente, das 20h até às 23h no escritório dele.
Vinicius - Hoje é quase nenhum. O arquiteto brasileiro (falo daquele que faz arquitetura mesmo) hoje faz projeto de exceção. Mesmo os grandes escritórios, não só os pequenos. A nossa participação na construção da cidade é ínfima. Um escritório grande como o Aflalo & Gasperini, aqui de São Paulo, tem alguns prédios grandes. A cidade de São Paulo é um colosso, logo, a participação dele é nenhuma. Vista a quantidade de construções, poucas são as obras feitas por arquitetos que fazem arquitetura de verdade. Grande parte dessas construções é feita por construtoras. Até há arquitetos nessas construtoras, mas isso não quer dizer que o que elas fazem é arquitetura. O mais grave é que não temos tradição de desenhar a cidade. São Paulo é uma catástrofe! No Rio de Janeiro, a natureza, de certa forma, impede que a catástrofe seja tão grande. São Paulo não tinha nada para impedir. É a revelação da nossa incompetência em toda a sua plenitude. Nós não conseguimos ter nossa voz ouvida. Isso precisa mudar urgentemente e é fundamental que os alunos ouçam. A participação e a dedicação precisam ser muito maiores. Há uma tendência hoje, aqui em São Paulo, de muitos arquitetos que pensam arquitetura trabalharem nos órgãos municipais. São quase uns infiltrados! Mas é assim hoje. É desesperador! O governo federal lançou o programa Minha Casa, Minha Vida, que é uma medida popular. Tem fila de pessoas para comprar casas. Mas não se faz cidade, só se faz casa! Não muda absolutamente nada. O resultado é que as incorporadoras compram um terreno mais barato, mais fácil de construir, mas bem distante. Lá constroem sessenta mil casas e a população que trabalha no Centro vai morar longe. Ou seja, o programa popular agrava ainda mais uma série de problemas. Não é que os urbanistas não saibam. Eles são bons! Isso acontece porque nós não temos voz ativa! Todo esse preâmbulo para falar do que a gente é hoje também já responde um pouco o que acho que a gente deveria ser. Antes de qualquer coisa, deveríamos poder desenhar a cidade. Isso é o mais importante. As construções, além de terem um impacto menor na qualidade de vida urbana do que é próprio do desenho da cidade, são substituíveis, podem ser derrubadas, reformadas, realocadas. Mas o desenho da cidade permanece. Esse é o que não pode dar errado. Então, se tem uma coisa importante para o arquiteto urbanista contemporâneo fazer hoje, é contribuir para a melhoria do desenho urbano. É inquestionável. Essa é a maior contribuição.
Vinicius - Acho a iniciativa muito interessante, mas está numa escala menor. A iniciativa é muito importante para a sobrevivência da arquitetura nacional. Espero que seja uma coisa que, daqui a alguns anos, muita gente faça. Do ponto de vista do negócio, é um grande sucesso que surpreende os incorporadores, que não pensavam em chamar os bons arquitetos do país. O que esses construtores fazem mostra a desvalorização da nossa profissão no Brasil. Chegamos num ponto em que a arquitetura produzida em São Paulo é maciçamente neoclássica ou neoeclética. Antes, isso era considerado de mau gosto pela elite, mas chegou a um ponto que não é mais questão de gosto. É uma coisa ridícula, insustentável. É por isso que esses empreendimentos do Otávio estão fazendo tanto sucesso. Os incorporadores estão precisando de algo novo, mas não tinham pensado em perguntar a um arquiteto.
Vinicius - A beleza na arquitetura, como em qualquer coisa, está vinculada à essência da coisa. Não estou dizendo que o que importa é a beleza interior. Acho que a beleza é uma coisa mutável. Uma pessoa é bonita porque você a viu se mexendo e achou aquilo bonito. Arquitetura é bonita talvez pelo jeito como ela funciona, como ela se relaciona com o entorno e com você. A beleza da arquitetura vem daí. A primeira coisa que me vem à cabeça para responder a essa pergunta são os exemplos arquitetônicos que acho bonitos. São tantos e tão diferentes, desde o Egito, passando pela arquitetura moderna, passando por algumas loucuras como as do Frank Gehry. O que eles têm em comum? Talvez o jeito como se relacionam no espaço. A beleza também está no momento em que você olhou. Às vezes, pode ser que você olhe depois e não sinta mais isso.