ANA CRISTINA GONZÁLEZ VÉLEZ

28/07/2022 - -

Pesquisadora, advogada e especialista na área de saúde sexual e reprodutiva, direito à saúde e igualdade de gênero. Professora de Direito Sanitário da Faculdade de Medicina da Universidad de Los Andes e ex-diretora nacional de saúde pública da Colômbia. É a fundadora do The Right to Decide, um grupo médico na Colômbia, e cofundadora do La Mesa por la Vida y la Salud de las Mujeres. Ela também é membro da coordenação política da Articulación Feminista Marcosur, uma coalizão feminista latino-americana.

Eu acho que foi a confluência de minha vida como feminista e de meu estudo de medicina. Eu comecei a estudar muito jovem e experimentei por muitas vezes algo que hoje eu sei que se chama discriminação, mas, naquela época, eu não tinha ideia de que aquilo tudo tinha um nome. Dois ou três anos depois, eu comecei o ativismo em alguns grupos em Medelín. Foi aí que eu compreendi que o que eu experimentava tinha nome. Por exemplo, comentários sobre eu não poder estudar ortopedia, por ser algo destinado aos homens. Ou quando estava estudando ginecologia e obstetrícia e não nos ensinavam sobre aborto ou métodos contraceptivos. Foi o encontro entre o ativismo em Medelín e o estudo que me levaram a um campo essencialmente vinculado à liberdade das mulheres, que são os direitos sexuais e reprodutivos.

Meu primeiro trabalho como médica foi na PROFAMILIA, que naquela época era a maior organização privada do mundo em provisão de serviços de saúde sexual e reprodutiva. Eu tive a possibilidade de escolher entre um trabalho no hospital mais importante da cidade ou um trabalho em saúde reprodutiva. Essa talvez tenha sido a escolha da minha vida.

Eu comecei meu trabalho profissional no campo da saúde sexual na década das conferências nacionais da ONU. Então, ao mesmo tempo que comecei a prestar serviço nos bairros mais pobres, também comecei a fazer advocacy internacional na agenda de gênero e saúde reprodutiva, como parte dessas conferências. Misturei minha vida profissional com ativismo, o que intensificou meu interesse pela desigualdade de gênero e o campo da saúde reprodutiva. Acho que encontrei na minha profissão uma maneira de fazer um ativismo mais técnico. É político, mas tem uma base forte na expertise. Eu sou reconhecida por conhecer tecnicamente desses temas e ao mesmo tempo ser uma ativista do debate público.

É importante situar como nasce o movimento. Em 1998, eu e um grupo de mulheres criamos a La Mesa por la Vida y la Salud de las Mujeres. Quando começamos, o aborto era totalmente proibido na Colômbia, e decidimos juntar mulheres de campos diferentes (advogadas, médicas, ecologistas, filósofas) para começar a pensar argumentos que abrissem a conversa sobre o aborto. Até então, ninguém falava sobre isso. Por ser um delito, era muito difícil falar do problema de saúde pública.

A Mesa foi um coletivo que trabalhou por todos esses anos até que, em 2006, o aborto foi descriminalizado pela primeira vez na Colômbia em três circunstâncias: para salvar a vida e a saúde das mulheres; nos casos de violação e estupro; e nos casos de malformação fetal incompatível com a vida extrauterina. Então, decidimos fazer todos os esforços necessários para implementar essa decisão, porque sabíamos que muitos países já tinham exceções à criminalização do aborto – inclusive o Brasil – mas isso não significava maior acesso ao aborto para as mulheres. Duas ações foram tomadas; a primeira foi o acompanhamento das mulheres que enfrentavam barreiras de acesso ao aborto. Esse acompanhamento serviu para que conseguíssemos mostrar os tipos de barreiras enfrentadas. Ao mesmo tempo, construímos uma interpretação dessas causas para que os operadores judiciais e sanitários tivessem elementos para julgar amplamente os casos. Conseguimos, ao longo de 15 anos, treinar quase 5 mil médicos no país para que, quando uma mulher solicitasse um aborto, eles tivessem as ferramentas de interpretação da situação, de maneira coerente com o marco dos direitos humanos.

Uma década depois, percebemos que esse modelo estava esgotado. Apenas 10% das mulheres tinham acesso ao aborto legal, os demais eram clandestinos. A criminalização contra as mulheres cresceu, chegando a 400 casos por ano de mulheres criminalizadas e 26 condenadas. O número de condenações por aborto era o dobro do número de condenações por violência contra mulheres. O delito do aborto era mais perseguido do que o de violência contra elas. Então, começamos a construir uma crítica desse modelo para mostrar que ele aprofundava as desigualdades entre mulheres e que era necessário mudar o paradigma. Criamos a iniciativa Causa Justa para lutar pela eliminação do crime do aborto do Código Penal. Até esse momento, falava-se em aborto como um crime, e queríamos fazer um movimento de todas as organizações feministas e de direitos humanos para construir uma estratégia para abrir a conversa sobre o aborto nos nossos próprios termos. Éramos contra o crime porque ele era ineficaz, injusto, contraproducente e discriminatório. A iniciativa da Mesa virou um movimento, hoje temos mais de 100 redes nacionais que participam organicamente em mais de 20 cidades do país e o apoio de líderes políticos. A Causa Justa busca abrir a conversa democrática e pública, para isso escrevemos um livro com 90 argumentos da ordem da saúde pública, do direito criminal, da bioética, da desigualdade, do estado laico e da liberdade de consciência. Porque a única maneira de abrir uma conversa é dispor de muitos argumentos que apelam para diferentes audiências.

Nós priorizamos cinco pontos estratégicos. Primeiro, a comunicação política e a mobilização social: conseguimos estar na mídia por mais de 500 dias com notícias positivas sobre o aborto. Além da mídia tradicional, nós abrimos as nossas próprias redes sociais. O segundo ponto foi o trabalho para que esse fosse um debate nacional, abarcando diferentes cidades do país. Em terceiro, a mobilização nas ruas. Também fizemos trabalhos pedagógicos com várias audiências. E, por fim, a estratégia legal, que contemplava algumas opções.

A Causa Justa foi apresentada publicamente em 2020 para abrir a conversa e, somente quando houvesse a oportunidade, entraríamos com a estratégia legal. Isso aconteceu em outubro desse mesmo ano a partir da tentativa de reverter todas as conquistas até então quanto ao aborto. Um juiz nos falou da necessidade de avançar. Fizemos a demanda na Corte Constitucional e ela só foi ouvida depois de 523 dias. Durante esse tempo, mantivemos nossas estratégias. Os dados que temos são resultado de um estudo que fizemos. A divulgação desses dados marcou uma ruptura, porque muitas pessoas não tinham ideia de que o aborto realmente era uma ameaça e constituía uma perseguição ativa do estado contra as mulheres. Nossa estratégia se baseou em um trabalho coletivo. No final, todo mundo sabia que Causa Justa era um movimento identificável – não era abstrato –, baseado em argumentos sólidos e na mobilização nas mídias, nas redes e nas ruas.

A Colômbia acabou se tornando uma vanguarda na América Latina e no Caribe nessa questão. Mas nós não conseguimos que o crime de aborto fosse retirado do Código Penal. Nosso modelo legal ficou como uma “modelo de prazos"”, em que, dependendo do tempo de gestação, o aborto não é crime. O aborto continuar configurado no Código Penal tem um impacto simbólico muito grande. A América Latina e o Caribe configuram o aborto como crime, em todos os países.

Para além disso, temos três grandes divisões nas diferenças de legislação. Alguns países legalizaram o aborto, a depender do tempo de gestação (Argentina, partes do México, Uruguai, Porto Rico, Cuba e Colômbia). Dentre esses países, alguns têm modelos mistos, com prazos amplos. Por exemplo, na Colômbia, depois de 24 semanas, só é permitido o aborto se estiver enquadrado em uma das três exceções. Esse modelo é arbitrário, porque o prazo é definido com base na divisão da gestação por trimestres. Essa divisão tem sentido para a gestação, porque marca riscos referentes à gestação, não tem nada a ver com o aborto. Há países que só permitem o aborto até a oitava semana, quando quase nenhuma mulher sequer tem ciência da gravidez ainda. Ao mesmo tempo, esse modelo garante alguma autonomia para as mulheres, porque até esse prazo elas não precisam apresentar nenhuma justificativa.

O segundo bloco, que engloba o maior número de países da nossa região, é o que demanda justificativa ao aborto. No Paraguai, por exemplo, apenas é permitido o aborto para salvar a vida da mulher. Por fim, temos o grupo dos países em que é totalmente proibido – a maioria localizado na América Central – ou com alto grau de perseguição criminal. No caso do Brasil, a justiça persegue a mulher, os médicos, o medicamento.

Essa região tem todas essas diferenças legais, e talvez seja a menos avançada nesses termos, mas temos um movimento feminista ativo, organizado e com intercâmbio de estratégias, ideias e argumentos que mantêm vivo o debate. Os EUA tiveram uma grande decisão nos anos 1970 e seguiram muitos anos em silêncio depois disso. Eu acho muito importante essa ausência de silêncio na nossa região, mas o desafio é avançar em direção à igualdade em relação ao aborto. Precisamos nos mover na direção de uma crítica sólida do uso do direito penal para regular o serviço de saúde. A única maneira de fechar esse movimento pendular de avanços e retrocessos é eliminar o delito e regular fora do âmbito criminal, apenas no âmbito sanitário. Outro grande desafio é a implementação. As barreiras de acesso para mulheres, mesmo em contextos liberais, são imensas, pois ainda estão ligadas ao estigma do crime. Eu vou estudar medicina para ser um criminoso?

Eu acho que a grande batalha feminista deste século é a liberdade reprodutiva. No século passado, foi o direito ao voto e à educação. A liberdade reprodutiva está no centro da agenda de uma batalha cultural feroz.

Essa não é uma área da minha especialidade, mas eu penso que há uma distância grande entre a estrutura institucional da igreja e as pessoas comuns. Nos níveis pessoal e individual, tomamos decisões – como interromper uma gestação – sem nos importarmos se somos cristãs ou católicas. Fizemos uma pesquisa na Colômbia e ficou clara essa dissociação da religião das questões mais íntimas. A institucionalidade da Igreja é um dos personagens que fazem parte da batalha cultural que eu falei.

Sinto também que eles foram perdendo os argumentos. Tivemos 523 dias de conversa pública sobre a nossa luta, e a Igreja teve uma participação muito baixa na conversa, a qual esteve focada em apenas dois argumentos: a vida inocente do feto e os efeitos negativos do aborto na saúde mental das mulheres. Eles não conseguem se envolver na conversa democrática pautada em argumentos, então, focam na manipulação emocional. O avanço na qualidade das imagens dos exames contribui muito para este tipo de argumento, porque vemos como o feto já se parece com uma pessoa. A Igreja usa, como estratégia, ausentar-se das conversas e tentar derrubar os argumentos pró-direitos. Na Colômbia, uma das razões na demora para a decisão final da Corte foi o envio de 20 requerimentos de anulação da nossa demanda. Agora que ganhamos essa decisão, estão tentando anulá-la, organizando um referendo baseado em mentiras e manipulação das emoções. A campanha deles é no púlpito.

Depois da conquista de uma mudança legal é muito importante ter clareza que o nosso esforço está apenas começando. É preciso criar condições para a lei ou a sentença serem de fato implementadas, com disponibilidade em serviços de saúde, assim como treinamento e campanhas. É nesse momento que nos deparamos com a resistência cultural em relação ao aborto. 

Seria injusto não reconhecer que, em nossa região – a América Latina –, temos avançado também nesse âmbito. Há 15 anos era muito mais difícil identificar prestadores disponíveis para fazer o serviço do aborto. Hoje, encontramos em quase todos os países, apesar do estigma. Vemos o crescimento de grupos de médicos e profissionais que lutam pelo direito de decidir. 

Também avançamos nas regulações sanitárias. Depois da lei, também é preciso algum tipo de instrumento para garantir a ação dos profissionais de saúde, para que as ferramentas sanitárias falem a linguagem deles. A OMS tem sido muito clara em determinar como os serviços devem ser prestados.

Outro desafio é no nível da educação. Temos pouca inclusão dos assuntos sobre gênero, direitos sexuais e reprodutivos nas escolas de medicina. É preciso mudar a cabeça dos médicos depois de formados para que se adéquem às mudanças legais.

Temos construído uma linha muito importante para avançar na implementação: as mulheres que já decidiram fazer o aborto não vão mudar de ideia, mesmo que ameaçadas. Então, do ponto de vista de saúde pública é melhor que essas mulheres cheguem a tempo no serviço de saúde para evitar complicações, morbidades que afetem sua fertilidade no futuro ou até a morte.

O mais importante para mim é que as conquistas legais são uma grande vitória. Agora, a grande disputa está na implementação. Por isso é essencial regular sem delito, sem direito criminal, porque assim conseguimos levar a conversa no nível mais técnico e sanitário. 

Finalmente, essa pergunta tem tudo a ver com o que chamamos de despenalização social. É o desafio de mudar a cabeça e o coração das pessoas, para criar legitimidade às decisões das mulheres, respeitando-as como sujeitos morais plenos, com capacidade de decidir. Como explicar que temos um padre em Pernambuco preocupado com uma mulher fazendo aborto no Rio Grande do Sul? É uma desconfiança na capacidade moral das mulheres.

 Seria injusto não reconhecer que, em nossa região – a América Latina –, temos avançado também nesse âmbito. Há 15 anos era muito mais difícil identificar prestadores disponíveis para fazer o serviço do aborto. Hoje, encontramos em quase todos os países, apesar do estigma. Vemos o crescimento de grupos de médicos e profissionais que lutam pelo direito de decidir.

Também avançamos nas regulações sanitárias. Depois da lei, também é preciso algum tipo de instrumento para garantir a ação dos profissionais de saúde, para que as ferramentas sanitárias falem a linguagem deles. A OMS tem sido muito clara em determinar como os serviços devem ser prestados.

Outro desafio é no nível da educação. Temos pouca inclusão dos assuntos sobre gênero, direitos sexuais e reprodutivos nas escolas de medicina. É preciso mudar a cabeça dos médicos depois de formados para que se adéquem às mudanças legais.

Temos construído uma linha muito importante para avançar na implementação: as mulheres que já decidiram fazer o aborto não vão mudar de ideia, mesmo que ameaçadas. Então, do ponto de vista de saúde pública é melhor que essas mulheres cheguem a tempo no serviço de saúde para evitar complicações, morbidades que afetem sua fertilidade no futuro ou até a morte.

O mais importante para mim é que as conquistas legais são uma grande vitória. Agora, a grande disputa está na implementação. Por isso é essencial regular sem delito, sem direito criminal, porque assim conseguimos levar a conversa no nível mais técnico e sanitário.

Finalmente, essa pergunta tem tudo a ver com o que chamamos de despenalização social. É o desafio de mudar a cabeça e o coração das pessoas, para criar legitimidade às decisões das mulheres, respeitando-as como sujeitos morais plenos, com capacidade de decidir. Como explicar que temos um padre em Pernambuco preocupado com uma mulher fazendo aborto no Rio Grande do Sul? É uma desconfiança na capacidade moral das mulheres.

Eu acabei de publicar um artigo exatamente sobre essa questão. [GONZÁLEZ VÉLEZ, Ana Cristina. La derogación de la decisión ‘Roe vs. Wade’: hay que mirar al Sur Âmbito Jurídico, [s. l.], 19 jul. 2022. Disponível em: https://www.ambitojuridico.com/noticias/analisis/la-derogacion-de-la-decision-roe-vs-wade-hay-que-mirar-al-sur. Acesso em: 15 ago. 2022.]  Não tenho dúvida de que os governos ou as frações mais conservadoras dos países vão tentar utilizar essa decisão para justificar qualquer ataque aos nossos avanços, inclusive para criar a ideia equivocada de que o que aconteceu nos EUA também vai acontecer aqui.

Como eu disse, ainda estamos esperando que a Corte Constitucional da Colômbia resolva as solicitações de anulação da decisão de fevereiro. Isso faz parte de qualquer processo, qualquer um pode solicitar uma anulação. No dia da revogação da Roe versus Wade, o governo da Colômbia, em um ato manipulador, disse estar pedindo a revogação da decisão de fevereiro. Todos os jornais nos ligaram e tivemos de esclarecer que essa notícia é velha e que não foi isso que o governo pediu. As notícias faziam parecer que era algo decorrente da decisão americana.

Sinceramente, eu acho que, do ponto de vista jurídico, a decisão na Colômbia é distinta da Roe versus Wade. A decisão americana foi baseada na proteção à privacidade, enquanto a da Colômbia está pautada no direito à saúde, na igualdade, na liberdade de consciência, e tem uma crítica ao uso do direito penal. Ela tem fundamentos diferentes, e está arraigada nos princípios constitucionais, por isso não vai cair.

Além disso, eu acho que o movimento e a conversa em relação ao aborto são muito diferentes nos EUA e na América Latina. Nós temos um movimento que não se calou, é ativo e organizado. Nos EUA, eles estão começando agora a se organizar, mas não há grupos dedicados a isso. Eu acho que é o momento de o norte olhar para o sul. Não como uma arrogância nossa, mas pela solidariedade. Eles devem conhecer o que temos feito em termos de estratégia, argumentos e movimentos para manter a conversa viva.

Os EUA levaram 50 anos para derrubar essa decisão. Foi uma longa estratégia dos grupos antidireitos na Corte Suprema. Precisamos ter cuidado com o debate concreto, mas também com todas as macroestruturas em que ele se apoia. 

Eu acho que o corpo é o último lugar de disputa do patriarcado, ou pelo menos o mais simbólico. Não se pode compreender a liberdade das mulheres sem incluir a possibilidade de elas decidirem sobre o próprio corpo. A liberdade tem a ver com prefigurar um projeto de vida. Como uma mulher pode prefigurar seu projeto de vida sem ser livre em relação a seu corpo? A ideia de liberdade que disputamos hoje é uma ideia de liberdade dos homens.

No âmbito público, as decisões que limitam nossa liberdade foram tomadas por homens. Os códigos penais têm mais de um século, foram feitos quando estávamos fora do acordo social. É um acordo sexual para dividir o mundo do público para os homens e o mundo privado para as mulheres. Tudo dentro do âmbito privado é menos valorizado. O mundo privado limita nossas possibilidades de sermos mais autônomas economicamente. Por exemplo, as mulheres que dedicam horas ao trabalho doméstico não remunerado têm de procurar trabalhos que se adaptem a essas obrigações. Isso as leva para o trabalho informal e com menor remuneração.

Hoje, as mulheres trabalham, têm alguma participação na esfera política e conseguem que assuntos privados façam parte da conversa democrática pública. Estamos na disputa e explicando como nosso corpo está preso por acordos de privilégios entre homens. Tentamos explicar algo tão simples e óbvio, e tão difícil, ao mesmo tempo. Em várias entrevistas, os jornalistas me pedem para explicar mais uma vez. Todas sabemos que a grande disputa hoje está no controle da nossa reprodução, porque ela é importante para manter a vida e para manter as mulheres em um lugar de controle.

Quando paramos para perceber, já estamos, como eu, há 25 anos lutando por uma causa. Eu não programei e não planejei isso; eu fui lutando.

Algo que sempre me foi útil foi ter a capacidade de falar com honestidade, clareza e convicção. Porque muitas pessoas nunca tiveram a oportunidade de ouvir argumentos claros, concisos e honestos. Essa é uma maneira de apelar ao coração das pessoas. Uma importante maioria das pessoas concordaria que as mulheres são sujeitos morais plenos. Essa frase é muito simples e muito importante. Todos confiam nas mulheres como mães e cuidadores no geral, mas não confiam em nós para decidir se queremos continuar uma gestação ou não, inclusive pensando no bem-estar daquela futura criança que não queremos, não conseguimos ou não podemos trazer para o mundo. É importante questionar as pessoas sobre o efeito negativo gerado ao ignorarem a nossa plena capacidade moral .

Estou convencida de que o cenário mais pacífico para todos é aquele sem crime de aborto. Acredito que as mulheres mais jovens vão continuar essa luta, que é a batalha cultural deste século.