SERGIO BESSERMAN

15/03/2018 - Rio de Janeiro - O ENTRE foi convidado para colaborar com 12 entrevistas para a publicação da exposição "Muros de Ar" do Pavilhão do Brasil na XVI Bienal de Arquitetura de Veneza em 2018, realizada pelos curadores Gabriel Kozlowski, Laura González Fierro, Marcelo Maia Rosa e Sol Camacho. As entrevistas publicadas em versão reduzida para a Bienal encontram-se na íntegra no site do ENTRE.

Sérgio Besserman Vianna (Rio de Janeiro, 1957) é ecologista e economista. É graduado em ciências econômicas e mestre em economia pela PUC-Rio. Foi diretor de planejamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES); presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); presidente do Instituto Pereira Passos (IPP) da Prefeitura do Rio de Janeiro e de sua Cãmera Técnica de Desenvolvimento Sustentável; professor do Departamento de História da UFF. É membro do conselho diretor da World Wildlife Fund (WWF), professor do Departamento de Economia da PUC-Rio e presidente do Instituto de Pesquisa Jardim Botânico do Rio de Janeiro.

Sergio Besserman: Nosso estoque de infraestrutura para viabilizar e organizar esse fluxo foi construído sem nenhuma racionalidade econômica. Nunca tivemos uma governança capaz de exercer planejamento de longo prazo e temos dificuldades de viabilizar soluções coletivas. Em consequência, hoje padecemos de uma infraestrutura de baixa produtividade: é um país continental que transporta carga com caminhão à diesel. Numa época que pode ser definida como a era da transição para o baixo carbono, temos pouquíssima navegação de cabotagem, poucas hidrovias para o nosso potencial. O modelo de negócios necessário para viabilizar soluções coletivas, levando em conta o baixo carbono, exige uma governança sofisticada e complexa que só agora começa a ser construída no Brasil.

Sergio Besserman: É um caos, totalmente desconectado. Não há planejamento nem controle sobre o uso do solo nas cidades, o que causa riscos e impactos totalmente desnecessários no ambiente e na saúde e bem-estar das pessoas. Aqui vivemos um problema que não é só brasileiro: a mineração, ou qualquer atividade de alto retorno econômico em baixo período de tempo, sempre atrai muita gente. E quando a atividade deixa de existir porque você esgotou o recurso, temos pessoas em condições degradadas e o lugar ambientalmente impactado. Hoje, municípios, grandes e médias empresas têm consciência disso, então agora começamos a ter experiências muito interessantes. Temos grandes empresas apoiando quilombolas, de modo que eles consigam obter renda com uma atividade relacionada ao que a empresa faz - mel de eucalipto, por exemplo. Há dezenas de outros exemplos como em comunidades indígenas, comunidades sem-terra. Essa integração de ciência, tecnologia e produção com as populações tradicionais é um dos caminhos importantes para resolver o drama da falta de condições econômicas e sociais depois que o empreendimento já atingiu o auge ou simplesmente acabou.

 

Sergio Besserman: Do ponto de vista sócioeconômico, o impacto mais crítico é a baixa produtividade da nossa infraestrutura. Isso diminui nossa competitividade em relação a outros países, eleva-se o custo do Brasil, gera-se menos renda, menos emprego. O impacto ambiental pode ser gigantesco, por duas razões principais: primeiro, nem sempre a gestão de riscos é bem feita; segundo, por causa das mudanças climáticas. Segundo o Banco Mundial, as mudanças climáticas têm o potencial de eliminar todos os ganhos obtidos quanto a pobreza nos últimos vinte a trinta anos. É uma ameaça terrível que trará guerras e sofrimentos perversos. Já vai esquentar 2ºC ou mais até o final do século, mesmo se fizermos tudo que tem que ser feito.

O maior impacto de vender commodities para o mundo inteiro costuma ser o empreendimento em si, até mais do que seu transporte. A pecuária desmata e emite gás; a agricultura desmata e elimina a biodiversidade. Mas para tudo isso tem solução, baseada em conhecimento científico e no saber dos povos. A agricultura não pode continuar utilizando a mesma quantidade de nitrogênio e fósforo que utiliza hoje. Sabemos que quando chove, esses materiais vão dos riachinhos para os rios e terminam causando as zonas mortas dos oceanos.

Para quê trazer pedra de outro continente, triturar e misturar com a petroquímica, fazer fertilizante? Que tal se as bactérias das raízes das plantas e os fungos fossem mais capazes de capturar nitrogênio da atmosfera? Nós vamos transportar menos carga, vamos gastar menos dinheiro, e gerar algo que tem um impacto muito menor na biodiversidade. Nós somos campeões na produção de soja, que é uma planta chinesa e utilizamos esse nitrogênio e esse fósforo no solo do cerrado, o que é muito ruim para ele pois ainda precisa ser corrigido. Nós desenvolvemos, graças a uma empresa estatal (a Empraba), altíssima tecnologia para fazer esse trabalho.

Podemos fazer agricultura protegendo as reservas, com atenção rigorosa às conexões entre biomas. Sozinhos, não podemos ajudar a natureza a lidar com as mudanças climáticas que criamos. A natureza é extraordinária e muito resiliente, mas precisa de conexões. Bichinhos, plantas, fungos precisam circular entre os ambientes naturais.

Sergio Besserman: Primeiro, o Brasil é um país que tem uma desigualdade gigante e a forma mais eficiente de lidar com a pobreza gerada pela desigualdade é crescer, crescer, crescer. Então somos prisioneiros de uma visão do desenvolvimentismo a todo custo. Temos que descobrir como crescer com menos impacto. A sociedade brasileira tem uma hierarquia que aparece pela ostentação de consumo, um consumo inconsciente e perverso. O estímulo ao consumo gratuito é muito ruim, mas não acho ético dizer para uma família pobre consumir menos. É interessante conversar sobre um consumo mais consciente, em que obrigatoriamente os produtos tenham informações para sabermos se estamos poluindo, esquentando o planeta, reduzindo a biodiversidade, desmatando.

 

Sergio Besserman: É preciso aumentar a governança e engajar todos em sua construção - do governo ao setor privado, à sociedade civil. Uma ferramenta importante para isso é o cadastro Cadastro Ambiental Rural (CAR), que georreferencia as propriedades e permite a qualquer cidadão monitorar se há desmatamento. Precisamos gerar eficiência no monitoramento e punir quem desmata; mas também gerar oportunidades e valor ao evitar o desmatamento, do manejo sustentável de florestas até oportunidades para populações do entorno. O Brasil tem a maior restauração florestal a fazer no mundo. Só a quantidade de pastos degradados existentes no Brasil permite alimentar o mundo. Não é preciso desmatar 1mm mais. Isso ajudará muito na luta contra as mudanças climáticas. Não é só interromper o desmatamento; é sequestrar carbono com agricultura de baixo carbono, com indústria florestal, com biomassa utilizada para finalidades inimagináveis.

Tirando a vantagem da matriz hidrelétrica, nossa infraestrutura é da civilização dos combustíveis fósseis. Isso é um baita problema porque esquenta o planeta, mas é também uma oportunidade. Se fizermos a transição da infraestrutura para uma de baixo carbono, as vantagens competitivas do Brasil são extraordinárias. Podemos oferecer alimentos, energia, materiais baseado em muita biotecnologia e em biologia sintética, tudo a carbono quase zero.

 

Sergio Besserman: Há que aumentar a governança no sentido de eficiência das políticas públicas e do planejamento das ações. Aumentar a qualidade da democracia no Brasil é a melhor forma de evitar desastres. O maior desafio da infraestrutura brasileira é ser reorganizada com maior eficiência, o que depende principalmente de governança, capacidade de encontrar soluções coletivas. Que cada território seja estudado em função de sua especificidade. Você pode, na Amazônia, achar que uma estrada é mais barata e mais eficiente, mas uma estrada propicia o desmatamento da floresta. Já com a ferrovia, você tem que chegar na estação, onde conseguem controlar se a madeira é de manejo ou ilegal. E também tem o caminho das hidrovias. Mas que tudo isso leve em consideração, sempre, a economia de baixo carbono que um dia vai ser componente do preço de tudo, especialmente das commodities. Oferecer as commodities mais baratas e mais competitivas do mundo, com pouco impacto ambiental, está ao alcance da nossa mão. Só exige engajamento e aplicação do conhecimento.