OCO

02/09/2016 - Rio de Janeiro - O ENTRE foi convidado pelo SARACURA para participar do projeto SITUAÇÃO - encontros promovidos entre 8 grupos de arquitetos do Rio de Janeiro, todos formados na última década, para debater e pensar sobre a cidade do Rio de Janeiro e sua prática de arquitetura hoje. Nessa ocasioão , tivemos o prazer de entrevistar os grupos envolvidos - RVBA, CI-AA, OCO, Gru.a, Rio Arquitetura, Estúdio CHÃO e Estúdio Guanabara.

BRISSACPEIXOTO, Nelson. Arte/Cidade Zona Leste.

TÁVORA, Fernando. Da Organização do Espaço.

ABREU, Maurício de Almeida. A evolução Urbana do Rio de Janeiro.

ALŸS, Francis. Ina Given Situation.

KOOLHAAS, Rem. Três textos sobre a cidade.

MELONETO, João Cabralde. A Educação pela Pedra.

OKANO, Michiko. Ma: Entre - Espaço da Arte e Comunicação no Japão.

RUDOFSKY, Bernard. Architecture With out Architects: A Short Introduction to Non-pedigreed Architecture.

TANIZAKI, Junichiro. Elogio da sombra.

TEIXEIRA, Carlos M.. Entre.

Juliana Sicuro - A gente se conheceu na faculdade e nos aproximamos por conta da revista Noz, projeto com o qual ficamos envolvidos durante grande parte da graduação na PUC-Rio. Percebemos uma afinidade de interesses e chegamos a fazer alguns trabalhos juntos ainda no final da graduação.

Vitor Garcez - Quando terminamos a graduação, entre 2010 e 2011, a revista Noz acabou e cada um foi buscar um lugar no mercado de trabalho. Alguns de nós sentiram a necessidade de ter um trabalho mais prático e ligado ao projeto, já que durante a faculdade tivemos bastante envolvimento com o trabalho editorial. Em 2012, eu e Juliana trabalhamos juntos no projeto da Arena Olímpica de Handebol como equipe do Oficina de Arquitetos. No final desse ano, fomos chamados para fazer o projeto de uma casa e decidimos alugar um espaço para trabalhar. O escritório começou atendendo a pequenas demandas e com elas fomos percebendo que existia um potencial nessa prática “micro”.

Juliana – A aproximação com a construtividade das coisas é importante, mas acho que o que mais nos atrai para o fazer construtivo é uma vontade de aproximação dos processos de transformação. Pois é através da transformação do espaço físico que a nossa atuação pode modificar uma determinada condição de vida. Entendemos o momento da execução como uma parte do trabalho e não como o trabalho em si e ficamos atentos às especificidades de cada circunstância e de cada processo. Entendemos que cada trabalho demanda um tipo de resposta, com mais controle ou menos controle do suposto “resultado final”. E nesse sentido, procuramos fugir um pouco da ideia de que o trabalho é a obra construída, fotografada, finalizada.

Como que se dá a questão do controle no projeto?

Vitor - Essa ideia de controle é importante... Nem todos os trabalhos vão passar por todas as etapas tradicionais do projeto, em alguns casos estamos mais presentes na fase de execução, em outros não. Com isso entendemos que o trabalho de arquitetura pode assumir várias formas e se inserir em diferentes etapas da produção de um espaço. Essa ideia de que a forma de trabalhar é também inventada nos interessa.

Juliana - Vou contar um pouco sobre um processo de projeto para me aproximar dessas ideias de arbítrio e acaso. É um exemplo de como o projeto pode ser uma estratégia de organização em oposição à ideia de projeto como uma forma fixa definida pelo desenho. Fomos convidados pela Casa França Brasil para fazer a expografia da mostra Pavilhão, em 2016. A curadoria convidou 13 instituições cariocas, com abordagens bastante diversas, para ocuparem o espaço expositivo durante um mês. O projeto deveria também prever um espaço para os eventos que viriam a acontecer durante o período da mostra. Então deveríamos pensar como ocupar o espaço interno da CFB sem saber ainda o que de fato seria exposto. Propusemos uma estrutura autoportante solta da “casca”, reforçando a própria ideia de pavilhão. Definimos que cada instituição teria X metros quadrados de superfície e apresentamos para eles um catálogo de possíveis modos de expor: estante, painel vertical, estrutura vazada, ou mesa. Cada um foi escolhendo dentre as opções e assim fomos chegando a uma forma, a princípio, mas que continuou se reconfigurando na montagem.

Uma ideia de grid.

Vitor – Sim, era essa estrutura única, essa grid espacial que definia as “regras” do jogo. E foram essas regras, de certa forma, que permitiram as que variações e mudanças fossem incorporadas ao longo do processo gerando uma configuração final bastante diferente da inicial.

Vitor - Nós dois nos aproximamos do universo das artes visuais e isso acaba de alguma maneira se relacionando com a nossa prática em arquitetura...

Quais são essas estratégias que estão ligadas ao campo da arte que vocês trazem para a arquitetura? E como lidam com a questão da autoria?

Juliana – Acho que temos que ter cuidado, pois é recorrente a ideia do arquiteto como técnico em oposição à do arquiteto como artista criador. Estamos falando do oposto disso. Não queremos nos aproximar de uma criação de objetos ícone, pelo contrário. Alguns artistas também estão questionando a autoria, mas um questionamento que não é necessariamente a sua negação total. Não temos nenhuma preocupação em ter um conjunto de trabalhos com uma mesma imagem ou que haja uma repetição de elementos que caracterize uma linguagem própria do escritório. Na medida em que vamos trabalhando algumas questões ou modos de abordar problemas se repetem e fazemos escolhas. Para nós é aí que está a autoria, em uma prática autoreflexiva que vai em busca de algumas coisas. Então a experimentação está nesse sentido, de pensar a prática de arquitetura como um processo de pesquisa contínuo.

Vitor - Quando olhamos para a nossa produção, os trabalhos são bastante diferentes entre si. Por exemplo, não nos interessa usar sempre um mesmo material ou sistema construtivo.

Vitor - Fiz na linha de pesquisa Poéticas Interdisciplinares na EBA-UFRJ. Minha pesquisa de mestrado teve um caráter prático-teórico e parte de uma especulação espacial e construtiva através da elaboração e construção de estruturas que se configuraram como pré-arquiteturas.

Na parte teórica recorri bastante à arte norte-americana minimalista dos anos 1960 e 1970, como a obra de Sol Lewitt e Robert Smithson. A temática tem uma forte aproximação com a arquitetura - apesar de não usar a palavra arquitetura em nenhum momento na dissertação. Então a pesquisa não teve uma relação direta com a prática do escritório naquele momento, mas certamente afetou de algum modo o trabalho no Oco.

 

Vitor – Nossa prática, como de muitos arquitetos no Rio de Janeiro, uma cidade que já está grosso modo toda construída, lida com a intervenção em preexistências. O que temos sempre em mente ao desenvolver esses projetos é tentar revelar algumas qualidades intrínsecas aos espaços em questão e transformá-lo para um modo de vida mais próprio do nosso tempo. Buscamos de alguma maneira ir além de suas funcionalidades objetivas. Algumas vezes, para isso, não é necessário muita coisa além de demolir. Pequenas ações como abrir uma porta ou instalar um mobiliário que possa ser suporte para algo tem potencial para transformar completamente a dinâmica de um espaço e a vida doméstica.

Juliana - Essa é uma questão que a gente discute bastante no dia-a-dia do escritório: até onde vai o projeto? Alguns clientes demandam mais definição, de móveis e objetos, outros menos. Mas mesmo com essas variações temos uma perspectiva de deixar alguma coisa a ser definida pelas pessoas que vão viver ali.

Vitor - Procuramos trabalhar com interiores a partir da perspectiva da arquitetura. O mobiliário tem uma presença e uma participação importante nisso.

Juliana - Mas para além de definir ou não móveis e objetos procuramos propor organizações espaciais que não sejam muito rígidas, que possam ser abertas às mudanças da vida.

Vitor - Em relação às casas, em 2015 projetamos duas casas que não foram construídas, mas que foram processos interessantes para nós. As duas eram fora do centro urbano, e apesar de bastante diferentes – uma casa tinha 300 m2 e a outra com 40 m2 -, nesses projetos também procuramos trabalhar com uma certa abertura.

Juliana – Nos dois casos sabíamos que os clientes queriam estar à frente dos processos de execução, que não estaríamos muito presentes pois não seríamos contratados para isso. Então, achamos que seria uma boa estratégia fazer projetos que fossem capazes de absorver as eventuais modificações sem comprometer o que para nós era o essencial em cada um.

Vitor - Comecei dando aula de plástica como colaborador junto com o Mario Fraga e a Sheila Dain no curso de Arquitetura da PUC-Rio, assim que me formei em 2011, o que me despertou muito prazer nessa prática. Neste semestre [2016.2] comecei a dar aula no Curso de Arquitetura da Santa Úrsula de Plástica seguindo um pouco essa experiência que tive com eles. Eles também foram professores da Santa Úrsula em um período em que esta universidade foi bastante conhecida pela ligação com artes visuais e que, por acaso, formou vários arquitetos que viraram artistas, alguns que a gente conhece - como o Tunga. A Lygia Pape [professora da USU entre as décadas de 70 e 80] foi uma das pessoas que definiram esse pensamento dentro do curso. Então, de certa forma, estou tentando repensar esses princípios, tentando criar um ateliê mais experimental nos primeiros períodos do curso. O momento que os alunos estão entrando na faculdade, que estão mais abertos a experimentar, e tem uma vontade de trabalhar a percepção, trabalhar a construção. Essas aulas têm como princípio a discussão a partir da produção dos alunos, que se baseia em proposições diversas, mas temos tentado incentivar a apropriação dos alunos dos espaços da Universidade e mesmo da cidade.

Juliana - Eu acho que os arquitetos foram muito pouco ativos nesse processo. Quando fizemos o concurso para o campo de golfe entramos nesse questionamento: Faz sentido ter um campo de golfe na cidade? Mas, uma vez que essa decisão já estava tomada e foi a único projeto de equipamento objeto de concurso aberto, achamos que seria interessante pensar como esse edifício poderia ser. Fizemos o projeto com um grupo de amigos arquitetos e levamos uma menção honrosa.

E teve uma polêmica enorme [por se tratar de uma reserva ambiental].

Juliana – Existem níveis de inserção e de influência. Não é porque os arquitetos em geral não participam do planejamento da cidade - e temos que brigar por participar, sem dúvida - que não podem atuar de outras maneiras e pensar sobre problemas mais específicos. Uma coisa não exclui a outra.


Juliana - Uma coisa que eu tenho pensado é como a cidade nos informa constantemente. E me interessa pensar como podemos tirar da cidade situações espaciais, situações de vida, que sejam matéria para o pensamento de projeto e para a elaboração teórica. A cidade é um organismo vivo que tem diversas lógicas sobrepostas e essas lógicas "não projetadas" podem ter extremo interesse para quem olha para elas do ponto de vista do projeto.

Quais seriam as principais referências para o trabalho de vocês?

Vitor - Nós não costumamos ver muito a produção arquitetônica em sites e revistas. Mas buscamos referências de práticas, de como alguns estúdios que nos interessam funcionam e tentamos observar a forma como respondem às questões.

Juliana – Tenho olhado para algumas práticas contemporâneas que de alguma forma estão questionando a ideia moderna de projeto e passam por uma problematização das ideias de programa, uso, apropriação, experiência, construção. Para dar alguns exemplos, o Vazio S/A no Brasil, o Atelier Bow Wow japonês, Lacaton & Vassal e o Assemble, ambos europeus, são escritórios que nos interessam bastante. São práticas singulares pois partem uma reflexão própria mas produzem espaços que são ao mesmo tempo universais e específicos. Ao olhar para isso estamos mais interessados em extrair procedimentos e ampliar nosso repertório de possibilidades do que reproduzir imagens ou materialidades. É interessante também ver projetos de escritórios latino-americanos em geral pois lidam com questões próximas com as que nós lidamos no Brasil. Parece estar presente o tema da economia de recursos por exemplo que para nós é muito pertinente. Fora outras proximidades.

Vitor - Durante a minha pesquisa de mestrado, eu fiz alguns trabalhos a partir das memórias de uma casa em que eu tive algumas experiências marcantes na infância, que era a casa do meu avô materno, na Zona Norte do Rio. A casa foi construída por ele mesmo, que era imigrante português, era uma típica casa de subúrbio, bastante diferente daquilo que eu vivia morando em um apartamento pequeno em Copacabana.

As memórias mais marcantes que eu tinha em relação a essa casa não eram a sala ou o quarto. O que mais me interessava eram espaços que estavam nas margens do que se entende como casa como, por exemplo, o andar superior da casa, um espaço vazio com piso em laje crua sem contrapiso, com alguns tubos de instalações saindo para fora do piso e telhado com telhas de amianto. Eu devia ter uns oito anos e esses lugares eram os lugares onde eu e meus irmãos e primos ficávamos descobrindo coisas e inventando jogos. Um dia eu subi nesse espaço e o chão estava todo marcado com giz, indicando possíveis compartimentações. Mas acabou que isso depois sumiu e nunca foi feito. Essa é uma memória marcante pela liberdade que tinha aquele espaço vazio e ao mesmo tempo pelo sentido de potência como espaço de habitar. Aquilo continuou como um campo aberto, mas foi naquele momento que eu entendi que aquilo poderia ser uma casa. Porque até então aquilo era uma outra coisa que eu não entendia o que era. Aquele espaço não tinha nome porque não era a casa, não era o quarto, não era a sala, não era o banheiro, e não era a varanda, o quintal, era um espaço-ainda. Era um pré-espaço.

Juliana - Tem uma memória que para mim é bastante presente, até porque é um lugar para onde eu ainda vou com uma certa frequência. É o sítio de uma amiga que frequento desde a adolescência e me interessa muito perceber o que a organização espacial dele proporciona como experiência. É uma situação que me faz pensar um pouco sobre a ideia de fragmentação, de ter espaço entre as coisas construídas. É um terreno grande com várias pequenas edificações espaçadas. Cada uma foi construída de uma maneira, possivelmente sem nenhum arquiteto, e é engraçado que cada uma tem um apelido que tem a ver com as suas configurações formais específicas: o galpão, o labirinto, o chalé, cada uma dessas "casas" propicia uma forma de dormir diferente. O labirinto são quatro suítes, no galpão cabem vinte pessoas acampadas. Essas arquiteturas nos orientam no espaço, se tornam referências. Mas o que eu gosto mesmo desse sítio, e eu fico pensando toda vez que eu vou lá, é que esse espaço propicia uma forma de organização coletiva que uma casa compacta não poderia proporcionar. Costumamos ir para lá em grupos grandes, então a fragmentação acaba por criar uma distância oportuna entre as pessoas (risos) que de certa forma torna possível a convivência. Tem um espaço onde a gente se reúne, uma grande cobertura com uma cozinha e um espaço vazio com algumas redes e uma mesa grande. Eu acho que é justamente a indeterminação que torna esse espaço o coração desse conjunto. Então para mim são essas as qualidades desse lugar que fizeram com que ele ficasse na memória. É nessas situações que vemos que o espaço é uma potência.